Na primeira reportagem da série sobre as sedes da Copa 2014, um raio-x da preparação da capital mineira, que quer receber a abertura do Mundial

Mineirão em obras

Foto: Eugênio Sávio

Quando o Brasil sediou sua primeira Copa, em 1950, Belo Horizonte era uma pacata cidade de 350000 habitantes. Seu papel naquele Mundial foi secundário, mas ficou eternizado pelo resultado inusitado de uma das três partidas que recebeu — uma improvável vitória dos Estados Unidos por 1 x 0 frente à Inglaterra, num recém-construído estádio do Independência.

Em 2014, a capital mineira almeja exercer um protagonismo bem maior. Se não é a favorita para receber a abertura, Belo Horizonte é certamente a cidade mais empenhada para isso. As obras de reforma do Mineirão estão entre as poucas do país que se encontram em dia com o cronograma estabelecido pela Fifa. Depois de passar por reforço estrutural no primeiro semestre, o estádio foi fechado para obras durante a Copa e, no início de julho, começou a ter seu gramado retirado — será rebaixado em 3,5 metros para abrigar mais assentos no lugar da antiga geral. As verbas para ambas as etapas são do governo estadual.

Ao todo, a modernização do Mineirão custará 665,7 milhões de reais, sendo que a empresa vencedora do processo de licitação da terceira etapa da obra, que será conhecida no dia 13 deste mês, ficará encarregada de explorar comercialmente o estádio por 25 anos. O novo Mineirão terá capacidade para 69000 pessoas, e é um dos trunfos da cidade para convencer a CBF e a Fifa a trazer para a cidade o primeiro jogo do Mundial. “Não é uma obsessão de Belo Horizonte, não faremos qualquer coisa para ter a abertura. Vamos fazer o que foi planejado, e se isso atende aos requisitos da Fifa, então somos candidatos”, diz Tiago Lacerda, presidente do comitê executivo municipal de Belo Horizonte da Copa 2014. Ele afirma que a cidade também quer ser a principal sede da Copa das Confederações.

Para conquistar esse direito, Belo Horizonte precisa resolver o mais grave de seus gargalos: a rede hoteleira insuficiente. Hoje, a cidade conta com apenas um hotel cinco estrelas — e mesmo assim longe do estádio, numa região de congestionamento frequente. De acordo com Lacerda, a cidade tem dedicado especial atenção à atração de novos empreendimentos no setor. “Montamos um grupo estratégico para agilizar processos internos e dar prioridade a projetos de rede hoteleira. Hoje temos uma lista de 25 a 30 projetos, com oito ou nove em construção. Teremos cinco novos hotéis cinco estrelas para 2014”, diz.

O Mineirão em obras e o projeto para 2014

Fotos: Jonas Oliveira (1) Z Divulgação (2)

Máquinas trabalham no anel inferior do Mineirão, que dará lugar a camarotes (E). A fachada do estádio (D), tombada pelo patrimônio histórico municipal, será mantida. E uma perspectiva do entorno do estádio

Mas para Paulo Resende, coordenador do Departamento de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, o número de leitos que a Copa exige é maior que a demanda posterior. “Hoje Belo Horizonte não apresenta uma demanda real nem potencial para ocupação desse aumento exigido. O que a cidade precisa é de um projeto de criação de demanda para acomodar o crescimento de oferta exigido”, diz.

Outra deficiência da cidade é o aeroporto de Confins, cuja ampliação ainda está em fase de elaboração do projeto executivo. “Apontamos a necessidade de ser construído o terminal 2, que tem tempo hábil para ficar pronto em 2013, mas o governo federal ainda não sinalizou a construção”, diz Eder Campos, gerente do Projeto Copa 2014 do governo do estado.

O Independência, em obras

Foto: Jonas Oliveira

O Independência em obras: o estádio só deve ficar pronto em março de 2011

O prazo curto para a realização da obra pode fazer com que a Infraero tenha de recorrer a estruturas temporárias. “Confins hoje não tem estrutura para receber voos internacionais em grande volume. Se as obras do novo terminal começassem no ano que vem, já estariam atrasadas. Mas não acredito que tenham início até meados de 2011”, diz Paulo Resende.

Justamente de Belo Horizonte veio o primeiro exemplo de como o prazo curto para a conclusão de obras pode gerar atropelos. Para suprir a ausência do Mineirão, o plano inicial era reformar o Independência, do América-MG. O estádio, que foi repassado por 20 anos ao governo estadual, recebeu um investimento de 50 milhões de reais — 20 milhões do governo mineiro e 30 milhões do Ministério do Turismo, num perigoso precedente de investimento do governo federal em um estádio.

No entanto, problemas jurídicos emperraram as obras, que só tiveram início em janeiro deste ano. A conclusão, que estava prevista para setembro, já foi revista para março de 2011. O governo do estado investiu outros 13 milhões na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas, a 70 km de Belo Horizonte, para receber os jogos de América-MG, Atlético-MG e Cruzeiro. No entanto, o estádio e o gramado não agradaram aos clubes, que já buscam alternativas em Ipatinga e Uberlândia.

Arena do Jacaré

Foto: Eugênio Sávio

Arena do Jacaré, em Sete Lagoas: fracasso de público e críticas ao gramado por parte dos jogadores

No que se refere ao legado da Copa para a cidade, Belo Horizonte está em uma situação relativamente confortável. O professor Edson Paulo Domingues, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, realizou um estudo sobre os impactos econômicos da Copa 2014 na cidade. Ele afirma que a cidade terá um acréscimo de 2% em seu Produto Interno Bruto (PIB) e 36000 novas ocupações. “É um ganho acima do que haveria normalmente sem a Copa”, afirma.

Para o deputado Sílvio Torres, presidente da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, a indefinição sobre a abertura pode gerar gastos desnecessários. “As obras de mobilidade urbana servirão como legado, mas receber a abertura no Mineirão vai custar no mínimo 300 milhões a mais”, diz. Eder Campos garante que não. “Falo com tranquilidade de que em Minas não se desperdiçará dinheiro por uma única partida. Tudo o que estamos fazendo para em pé independentemente da abertura e da Copa”, diz. Assim esperam os mineiros.

VEREDICTO PLACAR
Após visitar a cidade, conhecer os projetos e ouvir a opinião de especialistas de diversas áreas, PLACAR avalia os itens mais importantes do projeto de Belo Horizonte para 2014

Legenda:
Bem resolvidoBEM RESOLVIDO Exige atençãoEXIGE ATENÇÃO PreocupantePREOCUPANTE

Bem resolvidoCampos de treinamento
O plano do comitê é atrair para a cidade seleções que costumam ter grandes torcidas — como Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo. Entre os locais cotados para abrigar seleções estão os centros de treinamento de Atlético e Cruzeiro, que figuram entre os melhores do país. O estádio do Independência e a Arena do Jacaré, em Sete Lagoas, reformados para suprir a ausência do Mineirão, também podem ser utilizados. O comitê local também conta com a estrutura de alguns condomínios de Nova Lima, na Região Metropolitana. O estado aposta em sua localização central no país, na tranquilidade e no isolamento que pode oferecer às seleções que lá se hospedarem.

Bem resolvidoEstádio
As obras do Mineirão já tiveram início e, se não houver imprevistos, serão encerradas no fim de 2012, a tempo de sediar a Copa das Confederações. O campo será rebaixado e a geral dará lugar a novos assentos. A opção por uma cobertura interna preservou a fachada, tombada pelo patrimônio histórico de Belo Horizonte, o que tornou necessárias obras de reforço estrutural. O ponto a ser questionado é o custo da obra, de 665,7 milhões de reais — 34% do valor será investido no entorno e em uma esplanada, que facilitará o fluxo de pessoas. O projeto prevê 3798 vagas de estacionamento (3054 cobertas), camarotes, novos bares, lanchonetes, área de imprensa e uma passarela que ligará o estádio ao ginásio Mineirinho.

Exige atençãoEstradas
São um problema crítico em todo o estado. Minas Gerais tem a maior malha rodoviária do país, mas também uma das piores. As principais rodovias são federais e estão em estado regular, ruim ou péssimo. O comitê pediu ao DNIT que priorize as estradas que ligam Belo Horizonte a Rio de Janeiro e São Paulo e ao circuito de cidades históricas.

PreocupanteMobilidade urbana
A desistência do projeto de metrô que ligaria a região da Savassi à Pampulha, apresentado na pré-candidatura, foi uma grande frustração para os belohorizontinos. O governo federal optou pelo BRT (Bus Rapid Transit), sistema de corredores rápidos de ônibus semelhante ao de Curitiba. Apesar de ser uma solução mais barata e rápida para implementação, o BRT não tem a mesma eficiência do metrô. Entre as obras de mobilidade urbana, que estão orçadas em 1,4 bilhão de reais, o corredor da avenida Antônio Carlos já se encontra praticamente pronto, devido a obras recentes.

Exige atençãoLazer e turismo
A cidade não tem a mesma vocação para o turismo que as cidades litorâneas, por exemplo, pela falta de atrativos naturais. A grande aposta para atrair turistas durante o Mundial são as cidades históricas — Ouro Preto, Mariana, Tiradentes, São João Del Rey e Diamantina — e atrações como o Instituto Inhotim, em Brumadinho. O turismo de aventura também é tido como boa opção. A cidade espera que os investimentos para o Mundial possam colocá-la na rota do turismo de negócios.

PreocupanteHotelaria
É o ponto mais crítico. A cidade tem um déficit de hotéis, principalmente de alto padrão — há apenas um cinco estrelas na cidade. Tratase de um item fundamental especialmente para as ambições de sediar a abertura do Mundial, que implica a presença de chefes de estado e delegados da Fifa. Hoje, em grandes eventos, já é difícil encontrar vagas em hotéis de Belo Horizonte. O desafio é convencer a iniciativa privada de que investir na rede hoteleira na cidade seja um negócio sustentável após o Mundial. O comitê organizador garante que há projetos para pelo menos 25 novos hotéis na cidade — entre estes, cinco de luxo.

PreocupanteAeroporto
Além da incômoda distância de 40 km até o centro da cidade, o aeroporto de Confins já trabalha acima de sua capacidade máxima. A licitação para a construção de um segundo terminal será lançada apenas em 2011. Caso haja atraso nas obras, é possível que seja necessária a utilização de estruturas temporárias.

Bem resolvidoViabilidade financeira
É a terceira cidade que mais receberá investimento do governo federal, atrás de São Paulo e Rio de Janeiro, e o município que mais investirá em obras de infraestrutura. Como essas obras terão proveito no pós-Copa, a mais onerosa para os cofres públicos é a reforma do Mineirão. E, para amenizar esse impacto, o governo adotou um modelo de gestão compartilhada, em que a empresa responsável pela obra do estádio terá o direito de explorá-lo comercialmente por 25 anos.

Exige atençãoSegurança
Os níveis de violência ainda não são como os de Rio de Janeiro e São Paulo, mas nos últimos anos têm crescido consideravelmente. Em compensação, a região do Mineirão é tranquila e a polícia já está habituada a fazer a segurança no estádio.

Bem resolvidoLegado
As obras de infraestrutura só não são as ideais pela desistência do metrô, mas ajudarão a aliviar as deficiências da mobilidade urbana na cidade. E o Mineirão, casa de Atlético-MG e Cruzeiro, não corre o risco de ser subaproveitado após a Copa.